Queria fazer um verso
que pudesse expressar
o retumbar da cascata
as ondas altas do mar
o dia com sua alva
a noite com seu luar
Queria mostrar no verso
a imponência do condor
as nuvens como ovelhas
o vento como pastor
e as abelhas bebendo
o mel na taça da flor
Queria mostrar o sol
acendendo como tocha
despertando a montanha
enxugando cada rocha
e aquecendo a corola
do cravo que desabrocha
Queria ver no meu verso
o resplendor do luzeiro
e num dia de outono
o empenho do barreiro
fazendo sua casinha
no ombro do ingazeiro
Eu queria versejando
falar de uma formiga
que levando uma folha
de capim ou de urtiga
nunca se perde na trilha
nem descansa com fadiga
Eu queria descrever
a lagarta de cor preta
que o carcará procura
com seus olhos de luneta
mas consegue escapar
quando vira borboleta
Queria mostrar a seda
na aranha peçonhenta
que caminha entrelaçando
um fio que não rebenta
mesmo sendo esticado
na ramagem quando venta
Queria saber falar
de um dia nebuloso
onde o sol se escondeu
esperando cauteloso
pra abrir sua cortina
de tecido luminoso
Queria mostrar o vento
desenhando sem modelo
na grande tela do céu
suas montanhas de gelo
desmanchando e refazendo
novamente com desvelo
Queria a serenidade
das águas de uma fonte
e a claridade que chega
esboçando atrás do monte
o final da madrugada
nos portais do horizonte
Queria ser um poeta
com o estro mais afim
quando vejo a roseira
vicejando no jardim
cercada de borboletas
pedindo verso pra mim
Eu queria ter o dom
de ilustrar o que eu vi
num certo dia de maio
quando um raro colibri
bailava suavemente
ao redor de um bogari
Eu queria versejar
como canta o sabiá
entre os ramos em flor
de um velho jacarandá
nos momentos de lirismo
que a primavera nos dá
Queria ser um poeta
que mostrasse comovido
no primor da natureza
que por nós é conhecido
um claro remanescente
do paraíso perdido