Não devo ser merecedor de ter o dom
de me comunicar com os espíritos,
mas, posso ouvir nitidamente
o burburinho das almas esfoladas
tentando sair do invólucro das peles,
já que foram assim expostas ao tempo
pelo atrito constante dos dias duros,
a elas reservados pelo destino.
Quando escurece, tais tristes criaturas espalham
doces pedaços de alma pelas paredes,
formando fosforescentes pistas,
alegremente seguidas
pelos brancos corvos gulosos
devoradores de pecados,
em cujos bicos a gosma volta a ser
água,
potável e quase benta.
Não implico com o grude,
pego com o dedo e experimento.
Percebo, então, que não passa de um floco de nuvem,
emprestado dos céus com a única finalidade
de me convencer que estou no caminho certo
e não maluco de vez.
poema integrante do meu livro "Vozes do Aquém"