Tranque a Porta

Uma xícara de café fumegava ao lado da poltrona. Um entrou, passou pelo corredor e nada disse. Fora apenas contemplado, sem notar, pelo olhar indiferente da outra. Esta, por sua vez, continuou com agulha e linha à mão, cosendo calmamente uma peça sem utilidade plausível.

O que acabara de entrar dirigiu-se até a cozinha. Nada viu. Julgou-se digno de pelo menos um prato de comida quente, uma vez que era responsável por boa parte da entrada de mantimentos em casa. Moveu pratos e talheres da forma mais ruidosa possível, a fim de, sem dizer palavra, cutucar a consciência da moça.

Esta por sua vez permaneceu em silêncio. Levantou-se e colocou cuidadosamente à vista na sala um grande cesto repleto de roupas limpas e cheirosas. No caminho de volta, o homem notou a provocação: o cesto continha apenas vestimentas dela. Do bolso, retirou inúmeros papéis com comprovantes de pagamento e deixou-os à mesa, explicitando-os.

Ciente do desafio, a mulher colocou no mesmo monte de documentos três boletins escolares, cada um referente a um filho, repletos de notas azuis e bilhetes parabenizando o excelente desempenho dos pequenos. O homem saiu, desdenhosamente, após atrasar um relógio que necessitava de reparos.

Ao notar tal despeito, ela dirigiu-se até o quarto, deitou-se após vestir uma quantidade incomum de pijamas, um por cima do outro. Sentiu um horrível cheiro de cigarros, vício proibido naquela residência, acordo feito por requerimento dela sob protestos dele.

No quintal da casa, o homem nota voar pela janela um retrato, agora com moldura quebrada e foto amassada, referente ao dia do casamento dos dois. Do aposento, ela começa a ouvir, repentinamente e em bom som, uma canção oriunda de um rádio na qual a letra expressava claramente o arrependimento de alguém por casar-se.

Raivosa, ela deita-se com o rosto virado para a parede. Meia hora depois ele sobe para o quarto e observa-a trajando diversos pijamas, com especial exagero na parte inferior do corpo. Ele senta-se na cama e fita o chão por vários minutos. Ouve-a perguntar “trancou a porta?” e responde “sim”. Deita e dorme abraçado com ela, aconchegando-se em seu calor.

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