Se estiveres lendo esta carta, provavelmente eu já me encontro preso, sem direito a privacidade e esmagado pelos débitos referentes ao nosso advogado. Tu acabaste de acordar, levantou-te da cama do apartamento, nosso lar, que pagamos centavo por centavo juntos. Estás ainda de pijamas, sem nenhuma pressa de se arrumar ou preparar café.
É verdade que fui rude com você. Não estive presente em todas as horas que precisaste de mim. Mais evidente ainda é tua imaturidade quando nos conhecemos e, minha super proteção à beira do paterno te estragaste mais ainda. Acostumei-te a depender de mim e a gastar milhares em cartões de crédito.
Cada roupa, cada jantar mais valioso que meu ordenado mensal cooperava para fechar mais ainda os meus e, por conseguinte, os teus olhos. A vida de princesa que planejei tornou-se nada mais que um teste de paciência no qual tu ficavas cada vez mais malcriada e eu mais escravizado. Um dia, simplesmente mudaste.
Todos os segredos guardados em tua gaveta, que tanto procurei sem saber ao certo o que queria achar, com tantos sinais ambíguos, recheados de verdades. Era isso o que me doía: cada perfume caro e papel dobrado lá presentes te serviam de álibis. Nenhum possuía prova plausível que justificasse minha cisma.
E livre de suspeitas vivemos anos e anos respeitando-nos mutuamente. Cada rapaz que te contemplava com os olhos era vítima de meu rosnar e cada moça que tinha igual iniciativa e sentido oposto era deleitada em tua cumplicidade. A ausência de ciúme sempre me assustou. Não sei como tinha o coração tão frio. Este foi o primeiro indicio de que talvez não fosse meu sorriso a justificativa de teu interesse por mim.
Um belo dia, cheguei do trabalho três horas mais cedo e descobri a razão de tua indiferença repentina nos últimos meses, os que antecederam o divórcio: teu suposto primo era na verdade o resultado da exaustão da vida de casados. Por ter um metro a mais do que eu, necessitei de um apetrecho capaz de disparar projeteis pequenos e eficazes para livrar-me dele.
Fico feliz em saber que não o veremos mais. Nosso adeus aquele moribundo, agonizando em nossos confortáveis lençóis, foi talvez o único momento em que estivemos verdadeiramente unidos em corpo e alma num objetivo. Agora você ficou com tudo o que é meu e eu vou passar o resto da vida na prisão. A melhor forma de consolar nossas almas neste momento é lembrar que dois é bom e três é demais.
Se eu tiver fé o suficiente, talvez amanhã acorde deste sonho, ao teu lado, no primeiro dia de nossa lua de mel. Tu me olharás com semblante curioso mais uma vez, com a diferença de ser real nesta hipótese, e eu te apresentarei aos prazeres da vida, possuindo veridicamente a tua inocência.
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