Eu sempre fui amigo dos estios,
dos longos dias claros e sadios,
da cigarra, do sol, que a vida encerra,
que alegra a luz e que fecunda a terra.
Mas estou hoje num estado d’alma,
tão de indolência e calma
e tão avesso às emoções bizarras,
que não quero saber de sol nem de cigarras…
Nada de força, de vigor, de músculos,
de desejos agudos,
nem dos desatinos
a que, às vezes, me atiro,
de alguma estranha fantasia nova;
hoje de alegrias e vigores domino
e escolho
à meia-tinta morna dos crepúsculos,
num macio carinho de veludos,
a plangência dos sinos,
num fim de tarde, quando a luz repousa,
ou então, qualquer cousa
como
n’alma de um violoncelo a surdina da trova.
Olho este fim de tarde e esta sombra que desce
e em tudo alonga e tece
a trama tênue de seu véu de luto…
A alma sentindo evocativa e boa,
emocionado, escuto
o saudoso rumor do dia que se extingue
e o dia azul que foi, apenas se distingue,
por um resto de luz que nas alturas sobra,
por um sino que dobra
ou uma asa que voa.
Hora triste de aspectos,
em que vive a emoção de umas longas distâncias,
feita para sentir as venturas e as ânsias
da saudade infeliz de uns extintos afetos.
E esta réstia de luz, clara, forte e sadia,
numa longa impressão de vigor e de assomo
suavemente
esquecida.
Neste trecho de céu em silêncio e ensombrado,
evocado
a ventura do dia,
é como
no agitado rumor de uma vida presente,
a saudade de um som evocando o passado,
a cadência de um verso a lembrar uma vida.
Eliezer Lemos