ANJO FUNESTO

Desenho meus traços em folhas velhas
Descrevo-me em linhas silenciosas

mas
em

novos passos, novos laços e novas sílabas

Se-pa-ra-da-men-te

De forma delicada
Como um anjo
Que joga letras ao vento
Esperando que protegerá a si mesmo

da própria poesia funesta
e
dos estragos de uma ventania
causada
por suas próprias asas

on-Commercial No Derivatives

FÓSFOROS

Não há ninguém por perto. Daqui de cima não consigo enxergar a minha cidade. Num barco de papel eu voltaria sã e salva. Pago o preço de um delírio e escrevo enquanto posso. Navego na escuridão de uma noite que dura trinta dias. Amanhecerá, de certo. Não hoje. Ainda levarei algum tempo usando a luz artificial. Guardo algumas lâmpadas na bolsa. Tenho velas ainda e uma caixa de fósforos. Acendo os cômodos da memória e caminho sem saber ao certo aonde ir. Mas estou indo. Num universo de palavras sem sentido, eu descanso e armazeno combustível para a enorme fogueira. Abro cortina ainda que esteja tudo negro lá fora. Respiro tudo o que o outono pode me oferecer. Ensaio um sorriso e só peço que não toquem na minha caixa de fósforos.

COPACABANA

Recupero-me da queda de ontem. Assombrada ainda com o impacto do meu corpo no meio fio. Boca sangrando lágrimas. Afinal, onde dói mais? Permaneço olhando o teto branco de gelo que derrete e molha minha nudez. Meu corpo rígido desfalece e, por uma eternidade de duas horas e quinze minutos, sente apenas o que foi o calor que aquecia este planeta de seis metros quadrados que eu chamava de santuário. Não sei se o que ouço é música. São ruídos que vêm da rua e é provável que seja efeito ainda da overdose dos abraços que chegavam de surpresa. Meu corpo levanta e caminha até a sala, mas sinto que estou deitada e presa neste espaço sendo banhada aos poucos pela água gelada. Observo de longe minha imobilidade. Chame de saudade quem quiser. De queda, tombo, atropelamento, surra, que seja. Muitas de mim não existem desde ontem. Houve uma chacina. Duas sobreviveram: uma deitada no frio molhada pelo teto que derrete e outra ensandecida contando as pedras do calçadão de Copacabana.

Sandra Fuentes

ÚLTIMO ANDAR

Maquiava os olhos às cinco da manhã e ficava em seu quarto olhando para o espelho. Não havia traços do tempo em seu rosto, mas o coração, com rugas profundas, se fazia de desentendido. Fumava um cigarro que deixava pela metade. Olhava o mar pela janela do apartamento minúsculo e pensava em seus sonhos-pesadelos. Nem sempre é possível distinguir um do outro quando se dorme. As cores se confundem e os personagens mudam de cena durante um sono profundo. Mas a mulher vestida de segredo, tirava suas meias transparentes e caminhava descalça em direção à porta. Gostava quando ia sentindo nos pés o frio daquele piso do corredor pintado de verde. Sentava na escada e acendia mais um sonho, que deixava pela metade.Ela quer descer. Passa pelos degraus como fumaça. Em silêncio caminha até o portão. Desconhece aquele lugar. Sem olhar para trás, faz o caminho de volta. Pega a chave que estava sob o tapete. Surda-muda. Sonho-pesadelo. É lá seu lugar, é onde ela mora: no último andar, na última porta.

Sandra Fuentes

BOCA-CEREJA

Parada aguardava um táxi naquela rua escura e vazia, com sua mala vermelha onde guardara seus sonhos. Sentia um vento gelado e cruzava os braços na intensão de aquecer a si mesma. A boca com um batom vermelho vivo "pra proteger do frio". Uma puta ela era: boca, olhos, perna, bunda. Só. Clientela selecionada. Cobrava caro. Era paga com níqueis de ilusão. O táxi não vinha e seus sapatos machucando os pés de rainha-lixo. Uma lâmpada queima deixando tudo mais negro. Finalmente os faróis do carro amarelo chegam acendendo sua boca-cereja. Entra em silêncio, prende os cabelos, tira o batom da boca como se ele queimasse. Segue, deixando na calçada a mala cheia de moedas.

Sandra Fuentes

LIXO

Como se momentos de prazer diluissem as horas de solidão.

Ser a outra é ser não sei o quê.
Sentir-se especial vestindo roupas de trapo.
É ter que pegar senha para um beijo.
Contar o tempo.
Ficar na fila.
Ouvir o silêncio e permanecer calada.
É sentir o abraço da angústia.
O afago da saudade.
É ter o que não se tem.
É olhar-se no espelho e sentir-se a puta.
A verdadeira puta.

Ser resto, ser escarro, ser nada.
Fazer das palavras um manto para cobrir o frio que a alma sente.

Ouço e guardo as palavras.
Depois cuspo.
Vomito.
Espero.
Sem saber.
Quem realmente sou.

Sandra Fuentes

Lamentos

Você não consegue escutar meus lamentos
Ou simplesmente tapou seus ouvidos?
Você não consegue ver as minhas lágrimas
Ou simplesmente fechou seus olhos?
Você não consegue sentir meu coração
Ou simplesmente se fechou para mim?
Você não consegue sentir seu amor
Ou simplesmente mente a si mesma?

Escute o seu íntimo que ouvirá meus lamentos
Olhe para dentro de si que verá minhas lágrimas
Preste atenção em você e sentirá meu coração
Pare de se enganar e verá o seu verdadeiro amor

Console os meus lamentos
Seque as minhas lágrimas
Escute meu coração junto ao seu
Entregue o seu verdadeiro amor
E terás as respostas que tanto deseja
Verás o teu mais puro espírito
Resgatando-me de onde me encontro
E não quero mais permanecer